ARTIGO

O progressismo não produz progresso

22/06/2023 - José Linhares Jr
progressismo
Progressistas competem entre si para ver quem é mais oprimido — e, portanto, quem tem mais direitos à privilégios e benefícios governamentais.

Uma análise franca e objetiva da ideologia progressista mostra que, enquanto movimento político e ideológico, o progressismo não se aproxima de absolutamente nada que possa ser chamado de progresso, por razões tão contundentes quanto óbvias. Na verdade, chega a ser irônico que o progressismo tenha esse nome. Não é sem razão ou motivo que muitos usuários de redes sociais passaram a chamar os progressistas de regressistas.

De fato, o progressismo está tão distante do autêntico progresso quanto está da racionalidade, do bom senso, da ética, da biologia e da verdadeira medicina. Na verdade, sua plataforma político-ideológica está na contramão de tudo aquilo que é edificante, coeso, construtivo e moralmente salutar. Consequentemente, é impossível que o progressismo produza qualquer coisa diferente daquilo que tem produzido até o presente momento — tirania, totalitarismo ideológico, coletivos histéricos e agressivos, parasitismo institucionalizado e expansão dos poderes de repressão do estado.

Existem muitos motivos pelos quais o progressismo não produz progresso. Progressistas certamente vão alegar que a culpa da falta de resultados é, na realidade, de conservadores e reacionários, que não permitem a eles agirem de forma mais plena na sociedade. Realmente, muitos conservadores e reacionários agem como barreiras de restrição contra as bestialidades e os excessos progressistas. Se assim não fosse, a indústria farmacêutica estaria aplicando vacinas obrigatórias em todas as pessoas semanalmente, nenhum bebê seria identificado pelo seu gênero biológico, pronomes neutros seriam obrigatórios em todas as escolas e a indústria médica estaria entupindo crianças com hormônios de forma ininterrupta tão logo elas aprendessem a andar, sem a necessidade de consentimento dos pais e com a total aprovação do governo.

A ideologia progressista certamente produz muitas coisas. O progresso da sociedade, no entanto, não está entre elas. O que o progressismo mais produz, irremediavelmente, são coisas nefastas, como contendas, divisão social, uma militância histérica e encolerizada, extrema irracionalidade, a precedência das emoções sobre a razão e ignorância generalizada.

O progressismo não produz progresso, primariamente, por três razões principais:

Trata-se de uma ideologia baseada na divisão sempre crescente da sociedade em grupos distintos, conflitantes e incompatíveis.

Não há nenhum desejo real de resolver tais conflitos, apenas de instigá-los.

Plataforma econômica nula, que nega os benefícios do livre mercado, em defesa da intervenção e do monopólio estatal sobre tudo.

Indubitavelmente, o progressismo deriva sua força do seu ímpeto de dividir a sociedade em um número sempre crescente de classes e grupos distintos. Todos esses grupos tem como inimigo comum o homem branco “cisgênero heteronormativo” (como os progressistas chamam o homem comum); mas está se tornando cada vez mais corriqueiro que grupos que estão debaixo do guarda-chuva progressista, por alguma razão, acabem brigando entre si. Para citar um exemplo, os conflitos entre feministas e mulheres trans (que são homens biológicos) estão aumentando substancialmente. No mês de fevereiro deste ano, na Escócia, Nicola Murray — uma mulher que supervisiona e administra um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica — entrou na mira da polícia, simplesmente por se posicionar, pacificamente, contra a invasão cada vez maior de mulheres trans em espaços antes destinados exclusivamente a mulheres biológicas. Ela foi acusada de ser intolerante e de difundir discurso de ódio.

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ARTIGO

A esquerda morreu

14/06/2023 - José Linhares Jr
Lenin e Marx
Não existe mais esquerda política; o que parece esquerdismo hoje é a BlackRock, o WEF e a CIA envolvidos em cosplay de esquerda

A esquerda política foi morrendo em etapas e depois morreu de uma só vez:

  • Morreu quando os partidos operários comunistas se tornaram nacionalistas no início da Primeira Guerra Mundial e, assim, mataram uns aos outros em vez de dizer não às guerras dos banqueiros.
  • Ela morreu durante os julgamentos de Moscou de 1936 a 1938, que mostraram os grotescos extremos da Rússia de Stálin.
  • Ela morreu em 1968 quando os tanques soviéticos invadiram a Tchecoslováquia para esmagar a Primavera de Praga, revelando assim que as “reformas” de Khrushchev e Brezhnev eram uma ilusão.
  • O Muro de Berlim caiu em 1989, o povo dos países satélites soviéticos derrubou seus governantes logo em seguida e a própria União Soviética foi dissolvida em 1991.
  • Antigos partidos políticos de esquerda em todo o mundo desenvolvido afastaram-se de seus princípios fundadores. O Partido Trabalhista na Austrália implementou o neoliberalismo em 1983. Em 1992, Bill Clinton fez do neoliberalismo a ideologia central do Partido Democrata nos EUA. Tony Blair copiou essa estratégia no Reino Unido de 1997 a 2007.
  • No início dos anos 2000, a esquerda política que ainda existia era principalmente um artefato nos livros didáticos de história, não um movimento político viável em qualquer lugar do mundo.

Assistir de perto a morte da esquerda

Passei 30 anos procurando a esquerda política. Como Winston Smith em 1984, fui movido pela noção idealista de que certamente deveria existir uma alternativa revolucionária.

Na graduação (1988 a 1992), frequentei a faculdade mais à esquerda que pude encontrar, Swarthmore. Quando George HW Bush lançou sua guerra no Iraque, havia cerca de vinte de nós que se uniram para se opor a ela. Desse grupo, apenas cerca de cinco estavam comprometidos com a organização política real para acabar com a guerra. Não havia professores abertamente marxistas.

Em 1990, viajei para a América Central, onde a esquerda havia sido devastada por décadas de governo autoritário e genocídio absoluto. Trabalhei em uma cooperativa de gado sandinista na única história de sucesso deixada na região, a Nicarágua. Encontrei principalmente machismo, não alguma teoria política transcendente de base. Agora a Nicarágua sob os sandinistas regrediu ao autoritarismo brutal que uma vez tentou derrubar.

Nos anos 2000, eu queria ir para a faculdade de direito para estudar Teoria Crítica do Direito, mas restavam apenas dois professores no país que ainda trabalhavam nessa área e estavam prestes a se aposentar. A conferência anual sobre Teoria Crítica do Direito nos EUA havia parado de se reunir e não havia periódicos produzindo bons trabalhos sobre o tema. Escrevi sobre isso há algum tempo no meu Substack.

Fiz um mestrado em políticas públicas na UC Berkeley de 2010 a 2012 e descobri que o espírito revolucionário deixou aquele lugar na década de 1960. Minhas aulas de políticas públicas eram repletas de professores desenhando gráficos no quadro-negro mostrando como o salário mínimo e os sindicatos eram ineficientes. Os poucos professores esquerdistas que ainda restavam na UC Berkeley estavam no departamento de Geografia e todos falavam uma linguagem codificada que é impossível de entender de fora (portanto, nenhuma revolução viria deles).

Eu fiz meu Ph.D. de 2014 a 2019 no departamento de economia política mais radical que encontrei. Restavam alguns professores marxistas, mas eles se concentravam principalmente em projetos históricos. Os professores mais novos estavam escrevendo meditações pós-modernas sobre tempo e espaço (portanto, nenhuma revolução viria deles) e críticas intermináveis ​​ao neoliberalismo (que funciona como uma espécie de plano de emprego permanente para a esquerda que nunca ameaça as estruturas de poder existentes).

Minha busca de três décadas pela esquerda política revelou uma série de cidades fantasmas. Como Winston Smith, descobri que a Irmandade existe apenas como uma ideia, não como um movimento político realmente existente.

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CRÔNICA

Malditos motoristas de SW4

08/06/2023 - José Linhares Jr
É um terremoto? Um piloto de F1? O mundo entortou? Caiu um raio? Não! É só mais um maldito motorista de SW4.

Quem é motorista sabe: em algum lugar, em alguma hora do dia, noite, tarde ou madrugada, há um motorista de Toyota SW4 causando problema. Nada de novo do front na guerra do trânsito também nesta tarde de quinta em São Luís. Malditos motoristas de SW4!

Não há comparativo em imprudência, irresponsabilidade e canalhice entre condutores de todos os demais veículos e os condutores de SW4. Há uma ultrapassagem calhorda? Uma curva perigosa? Entrada psicopata na contramão? Aquela trancada abusiva que retira coragem do tamanho do carro? Feche os olhos e grite “maldito motorista de SW4”. A possibilidade de acerto é alta.

Há também os condutores de SW4 que respeitam as leis do trânsito e têm apreço pela vida. Mas, assim como vikings no continente africano, eles são minoria. E não compete falar de minorias quando se analisa o todo. Então, se você é motoristas de SW4 e já sente o gosto do ódio pelo texto espalhando-se pela boca, culpe seus colegas. Se eles não existissem, não existira este texto.

Voltemos…

Em grande parte das vezes são motoristas contratados pelo vereador, prefeito e/ou deputado para guiarem o carro alheio. Não à toa, em praticamente toda eleição se tem notícia de uma capotagem que levou algum político dessa para a pior. Culpa dos malditos motoristas de SW4.

O chofer de político de SW4 acredita ser uma mistura de Airton Senna com Tom Cruise (pensa que é lindo como o ator e, de quebra, ainda é uma personagem de Missão Impossível). Na maioria das vezes a mistura resulta em prejuízo para o patrão ou caixão, caixões.

Também há o motorista de SW4 casado com um carnê de boleto que nem Satanás aceita alma em troca para quitar. Diz que come muito ovo por causa da dieta receitada pelo nutricionista que ele nunca visitou. Questão não é de saúde física, mas econômica. Dirige rápido acreditando que pode acelerar o tempo de sua existência medíocre. Dependendo do poste que encontre pelo caminho, talvez até sim. Mas, geralmente não adianta. Não adiantará. Chegando em casa estará lá o prato de ovo com arroz quentinho para lembrá-lo que não se come carro.

E ainda vai ter coragem de dizer, enquanto embarca no disco voador ao ler este humilde texto, de me chamar liso que está morrendo de inveja porque não tem uma. A vida e suas ironias… Vamos para a outra ponta da corda e deixar pobreza para lá.

O playboy dono de SW4 já é caso perdido. Ganhou o carro do papai que tem lá suas desconfianças em relação ao futuro do rapaz com garotas. Dirige de forma ensandecida porque bebe demais. Encontrou no álcool o volume ideal para preencher a cabeça vazia. Geralmente é valente, bonito, corajoso, musculoso. Até que a merda acontece e foba dá lugar a uma trêmula e baixinha: “Eu vou ligar para papai”.

O fato é que o carro pode até servir para levar o rapaz por outros caminhos como quis “papai”. Caso não dê certo, pelo menos terá bastante espaço, proteção e reserva para os rapazes.

Ser motorista de SW4 deveria render ficha na polícia imediatamente e multa de R$ 2 mil toa vez que fosse parado em blitz. Após dirigir o carro por três anos sem fazer alguma merda, aí sairia. Bem que poderia virar lei. Será que algum deputado estaria disposto a… Esqueçam, esqueçam.

Quem me dera se tudo aqui escrito não fosse apenas troça de alguém com tempo sobrando no fim do feriado atrás de alguns leitores. Só que não, não é apenas isso. Quem me dera se todo esse alarde, hipérbole e exagero não passagem de recurso para fazer rir uns e outros que não sejam malditos motoristas de SW4.

Motorista de SW4 prejudica até com carro parado de madrugada enquanto dorme. E aí está Diego Rafael que não me deixa mentir.

Tem SW4, meu chapa? Ou está sequinho pegar a caranga amanhã na garagem do patrão? Lembre que essa merda de carro é apenas um carro. Não é a capa do Super-homem e nem a roupa do Homem de Ferro. Quem pensa assim e leva para as ruas esse delírio, geralmente acaba mesmo é usando paletó de madeira.

Justiça proibiu o humorista Léo Lins de contar piadas “ofensivas às minorias” e determinou a retirada de seu show das plataformas digitais.

Em nome do politicamente correto — em um caso bizarro de censura prévia —, a Justiça de São Paulo baniu o Especial “Perturbador”, show de Stand-Up do humorista Léo Lins, de todas as plataformas digitais. Na mesma sentença, a magistrada proíbe Lins de fazer piadas que a justiça considere “ofensivas”, e ainda determina que o comediante não pode deixar São Paulo por mais de 10 dias sem autorização judicial.

A decisão foi comemorada nas profundezas do esgoto político da esquerda e nos coletivos comunistas que pregam abertamente a repressão e a censura. O humorista, repentinamente, se tornou um perigo para a sociedade. Apesar de absurda, uma decisão dessas atualmente não é surpreendente. Já há alguns anos, o destino certo de quem tenta usar a liberdade de expressão no Brasil é o cale a boca.

O negócio fica ainda mais estrambólico quando constatamos que o humor, inevitavelmente, irá escolher um público-alvo. Faz parte do show. E o que a justiça está nos dizendo neste momento é que todos podem ser caçoados, menos as minorias ideologicamente eleitas. Há algum movimento para proteger homens brancos, cristãos, heterossexuais e de classe média das “ofensas” dos comediantes malvadões? Creio que não.

No entanto, é importante lembrar que o Estado totalitário não faz distinção entre pessoas quando o assunto é censura. Quando um grupelho ideológico alimenta esse monstro na esperança de vê-lo devorando seus oponentes, corre o risco de mais cedo ou mais tarde ser devorado também.

Desde que o supremo inaugurou o Regime do Cale-se no Brasil — após a abertura do Inquérito das Fake News —, a censura alcançou manifestantes, jornalistas, parlamentares, pastores, pais de família, militares, senhoras indefesas, e agora belisca a classe dos humoristas — inclusive aqueles que votaram em Lula.

E, como o choro não tem ideologia, choraram também os comediantes de esquerda quando se deram conta de que a água já estava batendo em suas nádegas humorísticas. Tarde demais.

O cerco ao humor e o controle da manifestação artística são etapas avançadas da ditadura. As opções que o regime nos dá são pouco tentadoras: censura, prisão, processo ou silêncio.

Como bem exposto por Antony Mueller, o ápice do movimento revolucionário é a imposição do “politicamente correto”: a guerra contra as opiniões individuais. Ao passo que a população deve tolerar repugnantes demonstrações comportamentais a lista de palavras e opiniões proibidas só faz crescer. Tudo aquilo que pode ser subjetivamente interpretado como ‘excludente’ ou ‘ofensivo’ tem de ser proibido. Ao defender a censura de ideias e comportamentos considerados “ofensivos”, o politicamente correto nada mais é do que uma ferramenta criada para intimidar e restringir a liberdade de expressão.

E esse cenário de repressão e controle, sinto informá-los, vai piorar.

Léo Lins foi censurado por supostamente ofender as minorias. Foi por razão semelhante, que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu a condenação de uma escola católica de Itaúna, MG. O órgão considerou que uma cartilha que a escola distribuiu aos pais dos alunos, com o objetivo de alertar sobre os perigos da ideologia de gênero, configurava “conteúdo homofóbico” e “discurso de ódio”. O panfleto orientava que os pais — também católicos — evitassem comprar materiais escolares com estampas e desenhos de arco-íris, unicórnios, símbolos revolucionários como foice e martelo e  a imagem do terrorista Che Guevara. O MP pede que o Colégio Recanto do Espírito Santo seja condenado a pagar uma multa de R$ 500 mil e que produza obrigatoriamente um material “contra narrativo” à primeira cartilha com a participação de “pessoas LGBT”.

O caso não é o primeiro.

Em 2021, o MPMG abriu um inquérito para investigar o Colégio Batista Mineiro, da igreja Batista Getsêmani, de Belo Horizonte, após a escola publicar um vídeo em que alunos cristãos refutam a ideologia de gênero e afirmam que “Deus não erra”. O pastor Jorge Linhares, dono da instituição, precisou prestar depoimento para explicar o conteúdo vídeo.

Mas, afinal, se a comédia pode ser censurada para não “ofender as minorias”, o quão longe estamos da censura religiosa com a mesma justificativa?

Os casos acima nos dão uma pista do que pode vir.

Para fechar a semana dos absurdos, o STF nos presentou com a extinção de todas as penas do ex-deputado Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, e formou maioria para proibir as revistas íntimas em presídios de todo o país.

O inacreditável acontece diante dos nossos olhos. No Brasil, as piadas são oficialmente mais perigosas do que o tráfico, a corrupção e o roubo.

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A teologia dino-alexandrina na história

17/05/2023 - Cristian Derosa
Na vanguarda do constitucionalismo revolucionário, o Brasil se ergue como primeira teocracia jurídica da América Latina

Alexandre de Moraes é fonte e origem de toda a liberdade, por meio do qual Flávio Dino, seguidor e súdito, colabora em amor filial. Todos unidos pela Função Iluminista do Estado, sobre o qual nada repousa e tudo cede. 

Depois que Alexandre de Moraes ordenou que o Telegram produzisse provas contra si mesmo de um crime inexistente e do ministro Flávio Dino dizer que o tempo de liberdade de expressão absoluta, no Brasil, acabou, pode ser um exercício necessário compreender juridicamente o sistema ou regime instaurado no país. Se do nosso ponto de vista todas essas decisões são abusos jurídicos, do ponto de vista dos que as tomaram, porém, possuem uma coerência lógica. E onde ela está?

Vemos Alexandre e Dino falarem em democracia, em instituições. Apesar disso, o que acreditamos ser essas instituições é evidentemente muito diverso do que pensam os nossos reis juízes de Brasília. Para eles, basta a evocação, como em um ritual público. Para nós, há um princípio de liberdade e verdade que nos colocaria formalmente contra até mesmo a mais pomposa das instituições. Por que há essa discrepância no entendimento da mesma palavra? Dino fala em liberdade guiada, regulada, em um ponto de vista no qual tudo deve ser regulado. Já falamos aqui sobre o ponto de vista da justiça proletária sobre o qual se sustenta o culto petista e governamental do momento. Mas nos parece que o problema é bem mais grave. Vemos a estátua da deusa Themis diante do STF e nos perguntamos se o estado é laico. Mas a laicidade, tal e qual imaginaríamos, não é, ao que parece, a neutralidade ou isenção completa de religiosidade? Sim, mas isso tem um nome e uma história. Não é que se cultue uma religião no lugar do cristianismo, mas, muito além disso, cultua-se uma pré-religião, algo que no sentido cristão da palavra nem a essa definição obedece.

Acontece que o culto da democracia como deusa moderna não é apenas uma analogia com a religião grega, mas a aplicação da sua literalidade devido à reencarnação das mesmíssimas condições políticas e sociais em que surgiu. Se foi o cristianismo que tornou possível o desenvolvimento da democracia, por meio de sua noção específica de liberdade e verdade, muito mais do que a civilização grega, sem isso o sistema político volta a ser um amontoado de ritos formalistas, culminando no culto do próprio formalismo enquanto tal.

Como recorda o cardeal Ratzinger, no célebre artigo sobre o lugar do cristianismo na história do conceito de liberdade e verdade, a noção cristã dependeu de uma série de acontecimentos prévios na história intelectual que tornaram a vinda de Cristo e Sua mensagem um evento compreensível e sua posterior conversão na resposta a questões que estavam em aberto. É natural, portanto, que o afastamento do cristianismo traga de volta as mesmas questões provocando um tipo de retrocesso cujo resultado é um vazio político e jurídico, que vem a ser preenchimento com os mesmíssimos elementos da Antiguidade pré-clássica.

Afinal, a religião grega era o culto civil de deuses criados como espécies de instituições, cuja função era a manutenção da ordem, mais ou menos como é, hoje a própria pessoa de Alexandre de Moraes, segundo ele próprio. A religião, assim como o sistema jurídico alexandrino atual, era um conjunto de práticas públicas que se destinava a prestar culto àqueles valores civis e público (no caso do Brasil, a pessoas como o ilustríssimo ministro). O próprio conceito de “verdade” era semelhante àquele dos nominalistas: alguém disse a verdade, ela se confirmou, então é verdadeiro. Disse um teórico da comunicação no século 20, que não existe Verdade, mas apenas afirmações verdadeiras. Era assim na Grécia pré-socrática. Não havia a ideia de uma verdade fora do tempo, isto é, como na afirmação 2+2=4, em que uma universalidade verdadeira é acessível a qualquer cidadão de maneira igualitária, tão logo ele cumpra os passos do raciocínio e observe o resultado na realidade ou de diversas manifestações daquela mesma verdade universal.

Olavo de Carvalho também conta a mesma história, em um aspecto diverso, no livro O Futuro do Pensamento Brasileiro, quando traça o histórico da conquista da consciência individual. Não que antes do cristianismo as pessoas não tivessem ideia da consciência, mas foi só ele que permitiu um aprofundamento que levou tanto a uma visão aprofundada e verdadeiramente universal, a partir da ideia de salvação, quanto os erros comuns que vemos hoje, fruto dos exageros do liberalismo cultural.

Nada disso teria sido possível sem o que Sócrates provocou nos gregos do seu tempo, motivo pelo qual foi sacrificado, aceitando a sentença de morte tamanha era a certeza que tinha sobre o que havia concluído.

Para os gregos, foi profundamente traumático que um sujeito como Sócrates resolvesse, de repente, investigar e especular sobre a “natureza dos deuses”, sendo que essa natureza era puramente convencional, isto é, ligada a uma função social e política, um verdadeiro formalismo. Sócrates questionou nada menos que os pilares da política e o poder de então. Era como questionar, por exemplo, as urnas eletrônicas.

Foi, por isso, sacrificado e há quem especule que tenha sido Sócrates um “primeiro mártir” pré-cristão por ter morrido voluntariamente pela Verdade, que mais tarde reapareceu na história sob a forma de uma Pessoa, o próprio Deus, a própria Causa das causas. “Causa das causas, tende piedade de mim”, teria dito Aristóteles em uma frase atribuída e talvez lendária, mas extremamente elucidativa. Não por acaso, Santo Tomás escolheu Aristóteles como um de seus mestres da filosofia.

As profecias hebraicas acrescentaram o que faltava a uma nova visão sobre verdade: como uma promessa do próprio Deus ao seu povo eleito, primeiro sinal representativo da humanidade. Assim, quando veio Cristo e ele disse textualmente que ele era a Verdade e que Seu Reino não era deste mundo, pronto! Tudo fechou-se e estava dada a resposta aguardada tanto por filósofos gregos quanto por fiéis hebreus. Não é por outro motivo que Cristo se refere inúmeras vezes a essa história quando diz “seja grego ou judeu”, sendo o primeiro a resposta intelectual e humana, representando toda a humanidade, e o último, o povo eleito, a realidade da promessa feita por Deus. Foi por isso que São Paulo, um conhecedor da cultura helênica, percebeu que todos eram chamados ao Reino e isso dizia respeito a uma realidade universal, daí o inicio da Igreja Católica como apostolado mundial.

A criação de uma fé revolucionária correu paralelamente a tudo isso, sendo talvez o seu primeiro apóstolo o abade Joaquim de Fiore, que embora tenha sido beatificado pela Igreja por sua defesa do missionarismo e do império cristão pelo mundo (sem o qual não seríamos hoje católicos), cometeu deslizes que raiam a heresia, de acordo com a crítica feita por São Boaventura e recuperada em uma tese de Ratzinger: Fiore criou a teologia da história trina, isto é, dividida em três grandes eras (Pai, Filho e Espírito Santo). Isso deu margem a uma “espera” cujo teor acabou alimentando seitas milenaristas, embora um dos resultados disso pôde ser devidamente cristianizado quando os sectários fugiram para os Açores e Portugal, originando o culto ao Divino Espírito Santo. Mas inicialmente se aguardava essa era sagrada e beatífica, na qual tudo seria resolvido. Esse foi o ancestral da revolução, saído de dentro do cristianismo.

A teologia da história, de Fiore, rompeu com as Duas Cidades de Santo Agostinho, usada até então como teoria histórica e política que culminou mais tarde com a separação entre poder temporal e espiritual, algo perfeitamente compreendido na tranquila Idade Média. Mas foi Hobbes que voltou a unir o espiritual ao temporal e, depois dele, Hegel, criando a ideia de um Estado como sujeito histórico, substituindo o próprio Deus. Já para Marx, o Estado se tornou o veículo do próprio culto satânico ao regular ele próprio todas as relações humanas na culminação comunista. Muitos episódios poderiam ser citados para chegarmos devidamente à coroa de Alexandre de Moraes, o poder iluminista do oracular Barroso e a verve tiranossaurica de Dino Fláviossauro.

Cristian Derosa é jornalista, mestre em Fundamentos do Jornalismo (UFSC), escritor e autor de 4 livros sobre comunicação social e jornalismo. 

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